Nota de Imprensa

Cicatriz de metais encontrada em estrela canibal

26 de Fevereiro de 2024

Quando uma estrela como o Sol chega ao final da sua vida, pode “ingerir” planetas e asteroides do seu meio circundante e que nasceram com ela. Agora, com o auxílio do Very Large Telescope (VLT) do Observatório Europeu do Sul (ESO), no Chile, os investigadores encontraram pela primeira vez uma assinatura única deste processo: uma espécie de cicatriz na superfície de uma estrela anã branca. Os resultados são publicados hoje na revista da especialidade The Astrophysical Journal Letters.

"É bem sabido que algumas anãs brancas, remanescentes de estrelas como o nosso Sol que arrefecem lentamente, estão a canibalizar pedaços dos seus sistemas planetários. Agora descobrimos que o campo magnético da estrela desempenha um papel fundamental neste processo, resultando numa espécie de cicatriz na superfície da anã branca”, disse Stefano Bagnulo, astrónomo do Observatório & Planetário de Armagh, na Irlanda do Norte, Reino Unido, e principal autor do estudo.

A “cicatriz” que a equipa observou trata-se de uma concentração de metais bem marcada na superfície da anã branca WD 0816-310, o remanescente do tamanho da Terra de uma estrela semelhante (apenas um pouco maior) ao nosso Sol. "Demonstrámos que estes metais são originários de um fragmento planetário tão grande ou talvez até maior do que Vesta, o qual tem cerca de 500 km de diâmetro e é o segundo maior asteroide do Sistema Solar", explicou Jay Farihi, professor da University College London, Reino Unido, e coautor do estudo.

As observações forneceram também pistas sobre a forma como a estrela obteve esta cicatriz metálica. A equipa notou que a intensidade da deteção de metais mudava à medida que a estrela rodava, o que sugere que os metais se concentram numa área específica da anã branca, em vez de se espalharem por toda a sua superfície. Os investigadores descobriram também que estas mudanças estão sincronizadas com as mudanças no campo magnético da anã branca, indicando que esta cicatriz de metais está localizada num dos seus pólos magnéticos. Todas estas pistas em conjunto parecem indicar que o campo magnético canalizou metais para a estrela, criando esta marca [1].

"Surpreendentemente, o material não se encontra uniformemente distribuído na superfície da estrela, como previsto pela teoria. Em vez disso, esta cicatriz é uma mancha concentrada de material planetário, mantido neste sítio pelo mesmo campo magnético que guiou os fragmentos em queda", disse o coautor John Landstreet, professor da Universidade de Western Ontario, Canadá, também afiliado ao Observatório & Planetário de Armagh. "Nunca tínhamos observado até agora nada deste género”.

Para chegar a estas conclusões, a equipa utilizou o instrumento FORS2 montado no VLT, que permitiu aos cientistas detectar esta cicatriz metálica e relacioná-la com o campo magnético da estrela. "O ESO tem uma combinação única de capacidades necessárias para observar objetos ténues, como é o caso das anãs brancas, e medir campos magnéticos estelares com bastante sensibilidade”, disse Bagnulo. No seu estudo, a equipa utilizou igualmente dados de arquivo do instrumento X-shooter do VLT para confirmar os resultados.

Tirando partido de observações como estas, os astrónomos conseguem determinar a composição da maioria dos exoplanetas — planetas que orbitam outras estrelas fora do Sistema Solar. Este estudo único mostra igualmente como os sistemas planetários podem permanecer dinamicamente ativos, mesmo depois de "mortos".

Notas

[1]  Os astrónomos tinham já observado numerosas anãs brancas poluídas por metais espalhados pela sua superfície, conhecidos por terem origem em planetas ou asteróides que se aproximam demasiado da estrela, seguindo órbitas semelhantes às dos cometas no nosso Sistema Solar. No entanto, no caso da WD 0816-310, a equipa pensa que o material vaporizado foi ionizado e guiado para os pólos magnéticos pelo campo magnético da anã branca. O processo partilha semelhanças com a forma como as auroras se formam na Terra e em Júpiter.

Informações adicionais

Este trabalho de investigação foi descrito num artigo científico intitulado “Discovery of magnetically guided metal accretion onto a polluted white dwarf” publicado na revista da especialidade The Astrophysical Journal Letters (doi:10.3847/2041-8213/ad2619).

A equipa é composta por: Stefano Bagnulo (Observatório & Planetário de Armagh, Reino Unido [Armagh]), Jay Farihi (Department of Physics and Astronomy, University College London, Reino Unido), John D. Landstreet (Armagh; Department of Physics & Astronomy, University of Western Ontario, Canadá) e Colin P. Folsom (Observatório de Tartu, Universidade de Tartu, Estónia).

O Observatório Europeu do Sul (ESO) ajuda cientistas de todo o mundo a descobrir os segredos do Universo, o que, consequentemente, beneficia toda a sociedade. No ESO concebemos, construimos e operamos observatórios terrestres de vanguarda — os quais são usados pelos astrónomos para investigar as maiores questões astronómicas da nossa época e levar ao público o fascínio da astronomia — e promovemos colaborações internacionais em astronomia. Estabelecido como uma organização intergovernamental em 1962, o ESO é hoje apoiado por 16 Estados Membros (Alemanha, Áustria, Bélgica, Dinamarca, Espanha, Finlândia, França, Irlanda, Itália, Países Baixos, Polónia, Portugal, Reino Unido, República Checa, Suécia e Suíça), para além do Chile, o país de acolhimento, e da Austrália como Parceiro Estratégico. A Sede do ESO e o seu centro de visitantes e planetário, o Supernova do ESO, situam-se perto de Munique, na Alemanha, enquanto o deserto chileno do Atacama, um lugar extraordinário com condições únicas para a observação dos céus, acolhe os nossos telescópios. O ESO mantém em funcionamento três observatórios: La Silla, Paranal e Chajnantor. No Paranal, o ESO opera o Very Large Telescope e o Interferómetro do Very Large Telescope, assim como telescópios de rastreio, tal como o VISTA. Ainda no Paranal, o ESO acolherá e operará o Cherenkov Telescope Array South, o maior e mais sensível observatório de raios gama do mundo. Juntamente com parceiros internacionais, o ESO opera o APEX e o ALMA no Chajnantor, duas infraestruturas que observam o céu no domínio do milímetro e do submilímetro. No Cerro Armazones, próximo do Paranal, estamos a construir “o maior olho do mundo voltado para o céu” — o Extremely Large Telescope do ESO. Dos nossos gabinetes em Santiago do Chile, apoiamos as nossas operações no país e trabalhamos com parceiros chilenos e com a sociedade chilena.

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Armagh, UK
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Email: Stefano.Bagnulo@Armagh.ac.uk

Jay Farihi
Department of Physics & Astronomy, University College London
London, UK
Email: j.farihi@ucl.ac.uk

John Landstreet
Department of Physics & Astronomy, University of Western Ontario and Armagh Observatory and Planetarium
London and Armagh, Canada and UK
Email: jlandstr@uwo.ca

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Este texto é a tradução da Nota de Imprensa do ESO eso2403, cortesia do ESON, uma rede de pessoas nos Países Membros do ESO, que servem como pontos de contacto local com os meios de comunicação social, em ligação com os desenvolvimentos do ESO. A representante do nodo português é Margarida Serote.

Sobre a Nota de Imprensa

Nº da Notícia:eso2403pt
Nome:WD 0816-310
Tipo:Milky Way : Star : Evolutionary Stage : White Dwarf
Facility:Very Large Telescope
Instrumentos:FORS2, X-shooter
Science data:2024ApJ...963L..22B

Imagens

Imagem artística de WD 0816-310, uma anã branca magnética com uma cicatriz de metais
Imagem artística de WD 0816-310, uma anã branca magnética com uma cicatriz de metais

Vídeos

Cicatriz de metais encontrada em estrela canibal | ESOcast Light
Cicatriz de metais encontrada em estrela canibal | ESOcast Light
Animação artística de WD 0816-310, uma anã branca magnética a ingerir fragmentos planetários
Animação artística de WD 0816-310, uma anã branca magnética a ingerir fragmentos planetários