Nota de Imprensa

Misteriosa mancha escura de Neptuno detectada pela primeira vez a partir da Terra

24 de Agosto de 2023

Com o auxílio do Very Large Telescope (VLT) do ESO, os astrónomos observaram uma enorme mancha escura na atmosfera de Neptuno com um inesperado ponto brilhante adjacente mais pequeno. Trata-se da primeira vez que uma mancha escura neste planeta é observada com um telescópio a partir da Terra. Estas estruturas ocasionais no fundo azul da atmosfera de Neptuno são um mistério para os astrónomos e estes novos resultados dão-nos pistas adicionais sobre a sua natureza e origem.

As manchas grandes são estruturas comuns nas atmosferas dos planetas gigantes, sendo a mais famosa a Grande Mancha Vermelha de Júpiter. Em 1989, a sonda Voyager 2 da NASA descobriu pela primeira vez uma mancha escura em Neptuno, a qual desapareceu alguns anos mais tarde. “Desde a primeira descoberta de uma mancha escura que tive curiosidade em saber o que seriam estas estruturas escuras elusivas de curta duração,” diz Patrick Irwin, Professor na Universidade de Oxford e investigador principal do estudo publicado hoje na revista Nature Astronomy.

Irwin e a sua equipa utilizaram dados do VLT do ESO para excluir a possibilidade das manchas escuras serem causadas por uma "abertura" nas nuvens. Em vez disso, as novas observações indicam que as manchas escuras são provavelmente devidas ao escurecimento de partículas de ar numa camada abaixo da camada principal de neblina visível, à medida que os gelos e as neblinas se misturam na atmosfera de Neptuno.

Chegar a esta conclusão não foi tarefa fácil, já que as manchas escuras não são estruturas permanentes da atmosfera de Neptuno e os astrónomos nunca tinham conseguido estudá-las com detalhe suficiente. A oportunidade surgiu depois do Telescópio Espacial Hubble da NASA/ESA ter descoberto várias manchas escuras na atmosfera de Neptuno, incluindo uma no hemisfério norte do planeta, observada pela primeira vez em 2018. Irwin e a sua equipa aproveitaram esta oportunidade para a estudar a partir do solo, fazendo uso de um instrumento ideal para estas difíceis observações.

Com o auxílio do instrumento MUSE (Multi Unit Spectroscopic Explorer) montado no VLT, os investigadores conseguiram separar a luz solar refletida por Neptuno e pela sua mancha nas cores, ou comprimentos de onda, que a compõem, e obter assim um espectro tridimensional [1], o que significa que conseguiram estudar a mancha com mais pormenor do que o que era possível até à data. "Estou bastante contente por termos sido capazes de obter não só a primeira detecção de uma mancha escura a partir do solo, mas também de registar pela primeira vez o espectro de reflexão de uma tal estrutura", diz Irwin.

Uma vez que diferentes comprimentos de onda sondam diferentes profundidades na atmosfera de Neptuno, a obtenção de um espectro permitiu aos astrónomos determinar melhor a altitude a qual se encontra a mancha escura na atmosfera do planeta. O espectro forneceu também informações sobre a composição química das diferentes camadas da atmosfera, o que deu à equipa pistas sobre a razão pela qual a mancha nos aparece escura.

Estas observações levaram também a um resultado surpreendente. "Neste processo, descobrimos um tipo raro de nuvem brilhante e profunda que nunca tinha sido identificado anteriormente, mesmo a partir do espaço," diz o co-autor do estudo, Michael Wong, investigador na Universidade da Califórnia, Berkeley, EUA. Este tipo raro de nuvem mostrou-se-nos como uma mancha brilhante mesmo ao lado da mancha escura principal. Os dados do VLT mostram que a nova "nuvem brilhante profunda" se encontra na atmosfera ao mesmo nível que a mancha escura principal. Isto significa que se trata de um tipo de estrutura completamente nova sem relação com as pequenas nuvens "companheiras" de gelo de metano observadas anteriormente a grande altitude.

Com a ajuda do VLT do ESO, os astrónomos podem agora estudar estruturas como estas manchas a partir da Terra. "Este é um aumento espantoso da capacidade da humanidade para observar o cosmos. No início, só conseguíamos detectar estas manchas com o auxílio de sondas espaciais enviadas para o local, como a Voyager. Depois, conseguimos distingui-las à distância com o Telescópio Espacial Hubble. Agora, a tecnologia avançou para permitir fazer o mesmo a partir do solo", conclui Wong, antes de acrescentar, na brincadeira: "Como observador Hubble, isto pode levar-me ao desemprego!

Notas

[1] O MUSE é um espectrógrafo tridimensional que permite aos astrónomos observar um objeto astronómico completo, como Neptuno, de uma só vez. Para cada pixel, o instrumento mede a intensidade da luz em função da sua cor, ou comprimento de onda. Os dados resultantes formam um conjunto 3D, onde para cada pixel da imagem dispomos de um espectro completo de luz. No total, o MUSE mede mais de 3500 cores. O instrumento foi concebido para tirar partido da óptica adaptativa, a qual corrige a turbulência na atmosfera terrestre, fornecendo-nos imagens mais nítidas do que o que seria possível de outro modo. Sem esta combinação de características, não conseguiríamos estudar uma mancha escura de Neptuno a partir do solo.

Informações adicionais

Este trabalho de investigação foi apresentado num artigo científico intitulado “Cloud structure of dark spots and storms in Neptune’s atmosphere” publicado na revista Nature Astronomy (doi: 10.1038/s41550-023-02047-0).

A equipa é composta por: Patrick G. J. Irwin (University of Oxford, Reino Unido [Oxford]), Jack Dobinson (Oxford), Arjuna James (Oxford), Michael H. Wong (University of California, EUA [Berkeley]), Leigh N. Fletcher (University of Leicester, Reino Unido [Leicester]), Michael T. Roman (Leicester), Nicholas A. Teanby (University of Bristol, Reino Unido), Daniel Toledo (Instituto Nacional de Técnica Aeroespacial, Espanha), Glenn S. Orton (Jet Propulsion Laboratory, EUA), Santiago Pérez-Hoyos (Universidade do País Basco, Espanha [UPV/EHU]), Agustin Sánchez Lavega (UPV/EHU), Lawrence Sromovsky (University of Wisconsin, EUA), Amy Simon (Solar System Exploration Division, NASA Goddard Space Flight Center, EUA), Raúl Morales-Juberias (New Mexico Institute of Technology, EUA), Imke de Pater (Berkeley) e Statia L. Cook (Columbia University, EUA).

O Observatório Europeu do Sul (ESO) ajuda cientistas de todo o mundo a descobrir os segredos do Universo, o que, consequentemente, beneficia toda a sociedade. No ESO concebemos, construimos e operamos observatórios terrestres de vanguarda — os quais são usados pelos astrónomos para investigar as maiores questões astronómicas da nossa época e levar ao público o fascínio da astronomia — e promovemos colaborações internacionais em astronomia. Estabelecido como uma organização intergovernamental em 1962, o ESO é hoje apoiado por 16 Estados Membros (Alemanha, Áustria, Bélgica, Dinamarca, Espanha, Finlândia, França, Irlanda, Itália, Países Baixos, Polónia, Portugal, Reino Unido, República Checa, Suécia e Suíça), para além do Chile, o país de acolhimento, e da Austrália como Parceiro Estratégico. A Sede do ESO e o seu centro de visitantes e planetário, o Supernova do ESO, situam-se perto de Munique, na Alemanha, enquanto o deserto chileno do Atacama, um lugar extraordinário com condições únicas para a observação dos céus, acolhe os nossos telescópios. O ESO mantém em funcionamento três observatórios: La Silla, Paranal e Chajnantor. No Paranal, o ESO opera o Very Large Telescope e o Interferómetro do Very Large Telescope, assim como telescópios de rastreio, tal como o VISTA. Ainda no Paranal, o ESO acolherá e operará o Cherenkov Telescope Array South, o maior e mais sensível observatório de raios gama do mundo. Juntamente com parceiros internacionais, o ESO opera o APEX e o ALMA no Chajnantor, duas infraestruturas que observam o céu no domínio do milímetro e do submilímetro. No Cerro Armazones, próximo do Paranal, estamos a construir “o maior olho do mundo voltado para o céu” — o Extremely Large Telescope do ESO. Dos nossos gabinetes em Santiago do Chile, apoiamos as nossas operações no país e trabalhamos com parceiros chilenos e com a sociedade chilena.

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Berkeley, California, USA
Tel: +1 510 224 3411
Email: mikewong@astro.berkeley.edu

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Este texto é a tradução da Nota de Imprensa do ESO eso2314, cortesia do ESON, uma rede de pessoas nos Países Membros do ESO, que servem como pontos de contacto local com os meios de comunicação social, em ligação com os desenvolvimentos do ESO. A representante do nodo português é Margarida Serote.

Sobre a Nota de Imprensa

Nº da Notícia:eso2314pt
Nome:Neptune
Tipo:Solar System : Planet : Feature : Atmosphere
Facility:Very Large Telescope
Instrumentos:MUSE
Science data:2023NatAs...7.1198I

Imagens

Mancha escura de Neptuno observada com o MUSE do Very Large Telescope do ESO
Mancha escura de Neptuno observada com o MUSE do Very Large Telescope do ESO
Imagem
Imagem "normal" de Neptuno obtida com o MUSE do VLT

Vídeos

Misteriosa mancha escura de Neptuno detectada a partir da Terra (ESOcast 265 Light)
Misteriosa mancha escura de Neptuno detectada a partir da Terra (ESOcast 265 Light)
Observando Neptuno em diferentes cores com o MUSE
Observando Neptuno em diferentes cores com o MUSE
Mancha escura de Neptuno observada com o instrumento MUSE do VLT
Mancha escura de Neptuno observada com o instrumento MUSE do VLT