Nota de Imprensa
Primeiros sinais de estranha propriedade quântica do espaço vazio?
Observações VLT de estrela de neutrões podem confirmar previsão com 80 anos sobre o vácuo
30 de Novembro de 2016
Ao estudar com o Very Large Telescope do ESO a radiação emitida por uma estrela de neutrões muito densa e fortemente magnetizada, os astrónomos descobriram as primeiras indicações observacionais de um estranho efeito quântico, previsto inicialmente nos anos 1930. A polarização da radiação observada sugere que o espaço vazio em torno da estrela de neutrões está sujeito a um efeito quântico conhecido por birrefringência do vácuo.
Uma equipa liderada por Roberto Mignani do INAF de Milão, Itália, e da Universidade de Zielona Gora, Polónia, utilizou o Very Large Telescope do ESO (VLT), instalado no Observatório do Paranal no Chile, para observar a estrela de neutrões RX J1856.5-3754, situada a cerca de 400 anos-luz de distância da Terra [1].
Apesar de ser uma das estrelas de neutrões mais próximas de nós, a luminosidade muito baixa deste objeto faz com que os astrónomos apenas a possam observar no visível com o instrumento FORS2 montado no VLT, nos limites da atual tecnologia de telescópios.
As estrelas de neutrões são restos de núcleos muito densos de estrelas massivas — pelo menos 10 vezes mais massivas que o Sol — que explodiram sob a forma de supernovas no final das suas vidas. Possuem igualmente campos magnéticos intensos, milhares de milhões de vezes mais fortes que o do nosso Sol, que permeiam as suas superfícies exteriores e seus arredores.
Estes campos magnéticos são tão fortes que afectam inclusivamente as propriedades do espaço vazio que circunda a estrela. Normalmente, o vácuo sugere-nos um espaço completamente vazio, onde a radiação viaja sem ser modificada. No entanto, em electrodinâmica quântica — a teoria do vácuo que descreve a interação entre fotões de luz e partículas carregadas, tais como electrões — o espaço encontra-se repleto de partículas virtuais que aparecem e desaparecem a todo o momento. Campos magnéticos muito intensos podem modificar este espaço, de tal maneira que este afecta a polarização da radiação que passa através dele.
Mignani explica: “De acordo com a electrodinâmica quântica, um vácuo altamente magnetizado comporta-se como um prisma no que diz respeito à propagação da radiação, um efeito conhecido por birrefringência do vácuo.”
Entre as muitas previsões da electrodinâmica quântica, a birrefringência do vácuo não teve ainda uma demonstração experimental. Tentativas de detectar este efeito em laboratório não deram qualquer resultado nos 80 anos que passaram desde a publicação do artigo científico de Werner Heisenberg (famoso pelo princípio de incerteza) e Hans Heinrich Euler.
“Este efeito pode ser apenas detectado na presença de campos magnéticos extremamente fortes, tais como os existentes em torno de estrelas de neutrões, o que mostra, uma vez mais, como as estrelas de neutrões são laboratórios valiosos para o estudo das leis fundamentais da natureza,” diz Roberto Turolla (Universidade de Pádua, Itália).
Após análise cuidada dos dados VLT, Mignani e a sua equipa detectaram polarização linear — com um grau significativo de cerca de 16% — que pensam ser provavelmente devida ao efeito de birrefringência do vácuo a ocorrer no espaço vazio que rodeia a RX J1856.5-3754 [2].
Vincenzo Testa (INAF, Roma, Itália) comenta: “Até à data, este é o objeto mais ténue para o qual foi medido um valor de polarização. Foi necessário utilizar um dos maiores e mais eficientes telescópios do mundo, o VLT, e técnicas de análise de dados precisas para aumentar o sinal emitido por uma estrela tão fraca.”
“A alta polarização linear que medimos com o VLT não pode ser explicada facilmente pelos nossos modelos, a menos que incluamos o efeito de birrefringência do vácuo previsto pela electrodinâmica quântica,” acrescenta Mignani.
“Este estudo do VLT é a primeira resultado observacional que vai de encontro às previsões deste tipo de efeitos da electrodinâmica quântica, originados por campos magnéticos extremamente fortes,” diz Silvia Zane (UCL/MSSL, Reino Unido).
Mignani está entusiasmado com os avanços, nesta área de estudo, que poderão vir de observações feitas com telescópios mais avançados: “Medições de polarização com a nova geração de telescópios, tais como o European Extremely Large Telescope do ESO, podem desempenhar um papel crucial em testes de previsões da electrodinâmica quântica de efeitos de birrefringência do vácuo em torno de muitas mais estrelas de neutrões.”
“Estas medições, feitas agora pela primeira vez no visível, abrem também o caminho a medições semelhantes serem feitas em raios X,” acrescenta Kinwah Wu (UCL/MSSL, Reino Unido).
Notas
[1] Este objeto faz parte do grupo de estrelas de neutrões conhecidas por As Sete Magníficas. São estrelas de neutrões isoladas, sem companheiras estelares, que não emitem ondas rádio (como os pulsares) e não estão rodeadas por material progenitor da supernova.
[2] Existem outros processos que podem polarizar a emissão estelar à medida que esta viaja pelo espaço. A equipa verificou de forma cuidada outras possibilidades — por exemplo, polarização criada pela dispersão da radiação em grãos de poeira — mas considerou pouco provável que dessem origem ao sinal de polarização observado.
Informações adicionais
Este trabalho foi descrito num artigo científico intitulado “Evidence for vacuum birefringence from the first optical polarimetry measurement of the isolated neutron star RX J1856.5−3754”, de R. Mignani et al., que será publicado na revista da especialidade Monthly Notices of the Royal Astronomical Society.
A equipa é composta por R.P. Mignani (INAF - Istituto di Astrofisica Spaziale e Fisica Cosmica Milano, Milano, Itália; Instituto de Astronomia Janusz Gil, Universidade de Zielona Góra, Zielona Góra, Polónia), V. Testa (INAF - Osservatorio Astronomico di Roma, Monteporzio, Itália), D. González Caniulef (Mullard Space Science Laboratory, University College Londres, RU), R. Taverna (Dipartimento di Fisica e Astronomia, Universita di Padova, Padova, Itália), R. Turolla (Dipartimento di Fisica e Astronomia, Universita di Padova, Padova, Itália; Mullard Space Science Laboratory, University College London, RU), S. Zane (Mullard Space Science Laboratory, University College London, RU) e K. Wu (Mullard Space Science Laboratory, University College London, RU).
O ESO é a mais importante organização europeia intergovernamental para a investigação em astronomia e é de longe o observatório astronómico mais produtivo do mundo. O ESO é financiado por 16 países: Alemanha, Áustria, Bélgica, Brasil, Dinamarca, Espanha, Finlândia, França, Holanda, Itália, Polónia, Portugal, Reino Unido, República Checa, Suécia e Suíça, assim como pelo Chile, o país de acolhimento. O ESO destaca-se por levar a cabo um programa de trabalhos ambicioso, focado na concepção, construção e operação de observatórios astronómicos terrestres de ponta, que possibilitam aos astrónomos importantes descobertas científicas. O ESO também tem um papel importante na promoção e organização de cooperação na investigação astronómica. O ESO mantém em funcionamento três observatórios de ponta no Chile: La Silla, Paranal e Chajnantor. No Paranal, o ESO opera o Very Large Telescope, o observatório astronómico óptico mais avançado do mundo e dois telescópios de rastreio. O VISTA, o maior telescópio de rastreio do mundo que trabalha no infravermelho e o VLT Survey Telescope, o maior telescópio concebido exclusivamente para mapear os céus no visível. O ESO é um parceiro principal no ALMA, o maior projeto astronómico que existe atualmente. E no Cerro Armazones, próximo do Paranal, o ESO está a construir o European Extremely Large Telescope (E-ELT) de 39 metros, que será “o maior olho do mundo virado para o céu”.
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Sobre a Nota de Imprensa
Nº da Notícia: | eso1641pt |
Nome: | RX J1856.5-3754 |
Tipo: | Milky Way : Star : Evolutionary Stage : Neutron Star |
Facility: | Very Large Telescope |
Instrumentos: | FORS2 |
Science data: | 2017MNRAS.465..492M |