Nota de Imprensa
Descobertas moléculas orgânicas complexas num sistema estelar bebé
Pistas que apontam para o facto dos blocos constituintes da química da vida serem universais
8 de Abril de 2015
Os astrónomos detectaram pela primeira vez a presença de moléculas orgânicas complexas, os blocos constituintes da vida, num disco protoplanetário que rodeia uma estrela jovem. A descoberta, feita com o auxílio do Atacama Large Millimeter/submillimeter Array (ALMA), confirma que as condições que deram origem à Terra e ao Sol não são únicas no Universo. Os resultados serão publicados na revista Nature a 9 de abril de 2015.
As novas observações do ALMA revelam que o disco protoplanetário que rodeia a estrela jovem MWC 480 [1] contém enormes quantidades de cianeto de metila ou acetonitrila (CH3CN), uma molécula complexa baseada no carbono. Encontrou-se em torno da MWC 480 cianeto de metila em quantidade suficiente para encher todos os oceanos da Terra.
Tanto esta molécula como a sua prima mais simples, o cianeto de hidrogénio (HCN), foram encontradas nas regiões periféricas mais frias do disco recém formado da estrela, numa região que os astrónomos pensam ser análoga à Cintura de Kuiper - o reino dos planetesimais gelados e dos cometas no nosso Sistema Solar, situado para lá da órbita de Neptuno.
Os cometas retêm informação inalterada da química primordial do Sistema Solar, do período da formação planetária. Pensa-se que os cometas e asteróides do Sistema Solar exterior trouxeram para a jovem Terra água e moléculas orgânicas, o que ajudou a preparar o terreno para o desenvolvimento da vida primordial.
“Os estudos de cometas e asteróides mostram que a nébula solar que deu origem ao Sol e aos planetas era rica em água e componentes orgânicos complexos,” diz Karin Öberg, astrónoma no Harvard-Smithsonian Center for Astrophysics, Cambridge, Massachusetts, EUA e autora principal do artigo científico que descreve estes resultados.
“Temos agora mais evidências de que a mesma química existe noutros lugares do Universo, em regiões que poderão eventualmente formar sistemas solares parecidos ao nosso.” Isto é particularmente intrigante, diz Öberg, uma vez que as moléculas encontradas na MWC 480 têm concentrações semelhantes aos cometas do Sistema Solar.
A estrela MWC 480, que tem cerca de duas vezes a massa do Sol, situa-se a 455 anos-luz de distância na região de formação estelar do Touro. O disco que a rodeia encontra-se numa fase inicial de evolução - tendo coalescido recentemente a partir de uma nebulosa fria e escura de gás e poeira. Estudos feitos com o ALMA e com outros telescópios ainda não detectaram nenhum sinal óbvio de formação planetária no disco, embora observações a resoluções mais elevadas possam eventualmente revelar estruturas semelhantes às da estrela HL Tauri, a qual é essencialmente da mesma idade.
Os astrónomos sabem desde há algum tempo que as nuvens interestelares frias e escuras são fábricas muito eficientes de formação de moléculas orgânicas complexas - incluindo um grupo de moléculas conhecidas por cianetos. Os cianetos, e mais particularmente o cianeto de metila, são importantes porque contêm ligações carbono-azoto, as quais são essenciais à formação de aminoácidos, a base das proteínas e os blocos constituintes da vida.
Até agora, não era no entanto claro se estas mesmas moléculas orgânicas complexas se formariam de forma natural e sobreviveriam ao ambiente energético de um novo sistema estelar em formação, onde choques e radiação podem facilmente quebrar as ligações químicas.
Tirando o máximo partido da sensibilidade do ALMA [2], os astrónomos puderam verificar nestas últimas observações que estas moléculas não só sobrevivem nestes ambientes como também prosperam.
Um aspecto importante é que as moléculas detectadas pelo ALMA são muito mais abundantes do que as descobertas em nuvens interestelares. Este facto diz-nos que os discos protoplanetários são extremamente eficientes na formação de moléculas orgânicas complexas e que as conseguem formar em escalas de tempo relativamente curtas [3].
À medida que o sistema continua a evoluir, os astrónomos pensam que é provável que as moléculas orgânicas existentes nos cometas e noutros corpos gelados sejam levadas para meios mais propícios ao desenvolvimento de vida.
“A partir do estudo de exoplanetas, sabemos que o Sistema Solar não é único no seu número de planetas ou em abundância de água,” conclui Öberg. “Sabemos agora que não somos únicos em química orgânica. Uma vez mais, aprendemos que não somos especiais. Do ponto de vista da vida no Universo, isto são excelentes notícias.”
Notas
[1] Esta estrela tem apenas um milhão de anos. Em termos de comparação, o Sol tem mais de quatro mil milhões de anos de idade. O nome MWC 480 faz referência ao Catálogo do Mount Wilson de estrelas B e A com riscas brilhantes de hidrogénio nos seus espectros.
[2] O ALMA consegue detectar a fraca radiação milimétrica emitida de forma natural pelas moléculas no espaço. Para estas observações mais recentes os astrónomos utilizaram apenas uma parte das 66 antenas do ALMA, numa altura em que o telescópio estava na sua configuração de mais baixa resolução. Estudos posteriores deste e doutros discos protoplanetários com o ALMA nas suas capacidades máximas revelarão pormenores adicionais acerca da evolução química e estrutural de estrelas e planetas.
[3] Esta formação rápida é essencial para superar as forças que, de outro modo, quebrariam as moléculas. Adicionalmente, estas moléculas foram detectadas numa parte relativamente calma do disco, numa zona que vai de 4,5 a 15 mil milhões de quilómetros de distância à estrela central. Apesar de muito distante quando comparada ao tamanho do nosso Sistema Solar, esta região corresponde à zona de formação de cometas nas dimensões da MWC 480.
Informações adicionais
Este trabalho foi descrito num artigo científico intitulado “The Cometary Composition of a Protoplanetary Disk as Revealed by Complex Cyanides” de K.I. Öberg et al., que será publicado na revista Nature a 9 de abril de 2015.
A equipa é composta por Karin I. Öberg (Harvard-Smithsonian Centre for Astrophysics, Cambridge, Massachusetts, EUA), Viviana V. Guzmán (Harvard-Smithsonian Centre for Astrophysics), Kenji Furuya (Observatório de Leiden, Universidade de Leiden, Leiden, Holanda), Chunhua Qi (Harvard-Smithsonian Centre for Astrophysics), Yuri Aikawa (Universidade de Kobe, Kobe, Japão), Sean M. Andrews (Harvard-Smithsonian Centre for Astrophysics), Ryan Loomis (Harvard-Smithsonian Centre for Astrophysics) e David J. Wilner (Harvard-Smithsonian Centre for Astrophysics).
O Atacama Large Millimeter/submillimeter Array (ALMA), uma infraestrutura astronómica internacional, é uma parceria entre o ESO, a Fundação Nacional para a Ciência dos Estados Unidos (NSF) e os Institutos Nacionais de Ciências da Natureza (NINS) do Japão, em cooperação com a República do Chile. O ALMA é financiado pelo ESO em prol dos seus Estados Membros, pela NSF em cooperação com o Conselho de Investigação Nacional do Canadá (NRC) e do Conselho Nacional Científico da Ilha Formosa (NSC) e pelo NINS em cooperação com a Academia Sinica (AS) da Ilha Formosa e o Instituto de Astronomia e Ciências do Espaço da Coreia (KASI).
A construção e operação do ALMA é coordenada pelo ESO, em prol dos seus Estados Membros; pelo Observatório Nacional de Rádio Astronomia dos Estados Unidos (NRAO), que é gerido pela Associação de Universidades, Inc. (AUI), em prol da América do Norte e pelo Observatório Astronómico Nacional do Japão (NAOJ), em prol do Leste Asiático. O Observatório ALMA (JAO) fornece uma liderança e direção unificadas na construção, gestão e operação do ALMA.
O ESO é a mais importante organização europeia intergovernamental para a investigação em astronomia e é de longe o observatório astronómico mais produtivo do mundo. O ESO é financiado por 16 países: Alemanha, Áustria, Bélgica, Brasil, Dinamarca, Espanha, Finlândia, França, Holanda, Itália, Polónia, Portugal, Reino Unido, República Checa, Suécia e Suíça, assim como pelo Chile, o país de acolhimento. O ESO destaca-se por levar a cabo um programa de trabalhos ambicioso, focado na concepção, construção e operação de observatórios astronómicos terrestres de ponta, que possibilitam aos astrónomos importantes descobertas científicas. O ESO também tem um papel importante na promoção e organização de cooperação na investigação astronómica. O ESO mantém em funcionamento três observatórios de ponta no Chile: La Silla, Paranal e Chajnantor. No Paranal, o ESO opera o Very Large Telescope, o observatório astronómico óptico mais avançado do mundo e dois telescópios de rastreio. O VISTA, o maior telescópio de rastreio do mundo que trabalha no infravermelho e o VLT Survey Telescope, o maior telescópio concebido exclusivamente para mapear os céus no visível. O ESO é um parceiro principal no ALMA, o maior projeto astronómico que existe atualmente. E no Cerro Armazones, próximo do Paranal, o ESO está a construir o European Extremely Large Telescope (E-ELT) de 39 metros, que será “o maior olho do mundo virado para o céu”.
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Sobre a Nota de Imprensa
Nº da Notícia: | eso1513pt |
Nome: | MWC 480 |
Tipo: | Unspecified : Star : Circumstellar Material : Disk : Protoplanetary |
Facility: | Atacama Large Millimeter/submillimeter Array |
Science data: | 2015Natur.520..198O |