Nota de Imprensa
Marte: O planeta que perdeu um oceano de água
5 de Março de 2015
Um oceano primitivo em Marte continha mais água do que o Oceano Ártico na Terra e cobria uma maior porção da superfície do planeta do que a que é coberta pelo Oceano Atlântico na Terra, de acordo com novos resultados publicados hoje. Uma equipa internacional de cientistas utilizou o Very Large Telescope do ESO, assim como instrumentos do Observatório W. M. Keck e do Infrared Telescope Facility da NASA, para monitorizar a atmosfera do planeta e mapear as propriedades da água em diversas regiões da atmosfera de Marte durante um período de seis anos. Estes novos mapas são os primeiros do género. Os resultados são hoje publicados online na revista Science.
Há cerca de quatro mil milhões de anos atrás, o jovem planeta Marte devia ter água suficiente para cobrir toda a sua superfície com uma camada liquida de cerca de 140 metros de profundidade, mas o mais provável é que o liquido se tenha juntado para formar um oceano que ocuparia quase metade do hemisfério norte de Marte, onde algumas zonas teriam atingido uma profundidade de mais de 1,6 quilómetros.
“O nosso estudo dá-nos uma estimativa robusta da quantidade de água que Marte teve no passado, através da determinação da quantidade de água que se perdeu no espaço,” diz Geronimo Villanueva, cientista que trabalha no Goddard Space Flight Center in Greenbelt da NASA, Maryland, EUA, e autor principal do novo artigo científico que descreve os resultados. “Este trabalho ajuda-nos a perceber melhor a história da água em Marte.”
A nova estimativa baseia-se em observações detalhadas de duas formas ligeiramente diferentes de água na atmosfera de Marte. Uma é a familiar forma da água, composta por dois átomos de hidrogénio e um de oxigénio, H2O, e a outra é HDO, ou água semi-pesada, uma variação que ocorre naturalmente na qual um dos átomos de hidrogénio é substituído por um átomo de deutério.
Uma vez que a forma deuterada é mais pesada que a água normal, perde-se menos no espaço devido à evaporação. Por isso, quanto maior for a perda de água do planeta, maior será o quociente HDO para H2O na água que resta [1].
Os investigadores distinguiram as assinaturas químicas dos dois tipos de água com o auxílio do Very Large Telescope do ESO, no Chile, assim como com instrumentos do Observatório W. M. Keck e com o Infrared Telescope Facility da NASA, no Hawaii [2]. Ao comparar a razão de HDO para H2O, os cientistas podem medir quanto é que aumentou a fração de HDO e assim determinar quanta água é que escapou para o espaço, o que por sua vez permite estimar a quantidade de água que Marte tinha no passado.
No estudo, a equipa mapeou a distribuição de H2O e HDO de forma repetida durante quase seis anos terrestres - o que corresponde a cerca de três anos em Marte - produzindo fotografias globais de cada uma, assim como o seu quociente. Os mapas revelam variações sazonais e microclimas, embora atualmente Marte seja essencialmente um deserto.
Ulli Käufl do ESO, responsável por construir um dos instrumentos usados no estudo e co-autor do novo artigo científico, acrescenta: “Estou uma vez mais espantado com o poder das observações remotas noutros planetas, utilizando telescópios astronómicos: descobrimos um oceano antigo a mais de 100 milhões de quilómetros de distância!”
A equipa estava especialmente interessada nas regiões perto dos polos norte e sul, uma vez que as calotes polares são os maiores reservatórios de água conhecidos no planeta. Pensa-se que a água aí armazenada documente a evolução da água em Marte desde o período Noachiano, que terminou há cerca de 3,7 mil milhões de anos atrás, até ao presente.
Os novos resultados mostram que a água atmosférica nas regiões próximas dos polos encontra-se enriquecida de um factor sete relativamente à água oceânica na Terra, o que sugere que a água nas calotes polares permanentes de Marte esteja enriquecida de um factor oito. Marte deve ter perdido um volume de água 6,5 vezes maior do que as calotes polares atuais de modo a apresentar este alto nível de enriquecimento, o que significa que o volume do oceano primitivo de Marte deve ter sido de, pelo menos, 20 milhões de quilómetros cúbicos.
Baseada na atual superfície de Marte, uma possível localização para esta água seriam as planícies do norte que, desde longa data, têm sido consideradas boas candidatas devido ao solo baixo que apresentam. Um oceano primitivo nesse local teria coberto 19% da superfície do planeta - em termos de comparação o Oceano Atlântico cobre 17% da superfície da Terra.
“Com Marte a perder tanta água, o planeta teria permanecido “molhado” durante um período de tempo maior do que o que se supunha anteriormente, sugerindo que o planeta poderia ter sido habitável durante mais tempo,” diz Michael Mumma, cientista em Goddard e segundo autor do artigo.
É possível que Marte tenha tido anteriormente ainda mais água e que alguma se tenha depositado por baixo na superfície. Uma vez que os novos mapas revelam microclimas e variações temporais no conteúdo de água atmosférica, poderão igualmente ser úteis numa procura de água subterrânea.
Notas
[1] Nos oceanos da Terra existem cerca de 3200 moléculas de H2O para uma molécula de HDO.
[2] Apesar de sondas em solo marciano e em órbita do planeta poderem mostrar muito mais detalhes em medições feitas diretamente no local, não são, no entanto, adequadas para monitorizar as propriedades de toda a atmosfera marciana. Este estudo faz-se melhor com espectrógrafos infravermelhos montados em grandes telescópios na Terra.
Informações adicionais
Este trabalho foi descrito num artigo científico intitulado “Strong water isotopic anomalies in the Martian atmosphere: probing current and ancient reservoirs”, de G. VIllanueva et al., que será publicado online na revista Science a 5 de março de 2015.
A equipa é composta por G.L. Villanueva (NASA Goddard Space Flight Center, Greenbelt, EUA; Catholic University of America, Washington, D.C., EUA), M.J. Mumma (NASA Goddard Space Flight Center), R.E. Novak (Iona College, New York, EUA), H.U. Käufl (ESO, Garching, Alemanha), P. Hartogh (Instituto Max Planck de Investigação do Sistema Solar, Göttingen, Alemanha), T. Encrenaz (Observatoire de Paris-Meudon, Paris, França), A. Tokunaga (University of Hawaii-Manoa, Hawaii, EUA), A. Khayat (University of Hawaii-Manoa) e M. D. Smith (NASA Goddard Space Flight Center).
O ESO é a mais importante organização europeia intergovernamental para a investigação em astronomia e é de longe o observatório astronómico mais produtivo do mundo. O ESO é financiado por 16 países: Alemanha, Áustria, Bélgica, Brasil, Dinamarca, Espanha, Finlândia, França, Holanda, Itália, Polónia, Portugal, Reino Unido, República Checa, Suécia e Suíça, assim como pelo Chile, o país de acolhimento. O ESO destaca-se por levar a cabo um programa de trabalhos ambicioso, focado na concepção, construção e operação de observatórios astronómicos terrestres de ponta, que possibilitam aos astrónomos importantes descobertas científicas. O ESO também tem um papel importante na promoção e organização de cooperação na investigação astronómica. O ESO mantém em funcionamento três observatórios de ponta no Chile: La Silla, Paranal e Chajnantor. No Paranal, o ESO opera o Very Large Telescope, o observatório astronómico óptico mais avançado do mundo e dois telescópios de rastreio. O VISTA, o maior telescópio de rastreio do mundo que trabalha no infravermelho e o VLT Survey Telescope, o maior telescópio concebido exclusivamente para mapear os céus no visível. O ESO é um parceiro principal no ALMA, o maior projeto astronómico que existe atualmente. E no Cerro Armazones, próximo do Paranal, o ESO está a construir o European Extremely Large Telescope (E-ELT) de 39 metros, que será “o maior olho do mundo virado para o céu”.
Este trabalho teve o apoio financeiro de quatro programas da Sede da NASA em Washington, D.C.: Mars Fundamental Research, Planetary Astronomy, Planetary Atmospheres e NASA Astrobiology.
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Sobre a Nota de Imprensa
Nº da Notícia: | eso1509pt |
Nome: | Mars |
Tipo: | Solar System : Planet : Feature : Surface |
Facility: | NASA Infrared Telescope Facility, Very Large Telescope, W. M. Keck Observatory |
Instrumentos: | CRIRES |
Science data: | 2015Sci...348..218V |