Nota de Imprensa
Explosões gigantescas enterradas em poeira
O ALMA investiga meio em torno de explosões de raios gama escuras
11 de Junho de 2014
Observações obtidas com o Atacama Large Millimeter/submillimeter Array (ALMA) permitiram aos astrónomos mapear diretamente, e pela primeira vez, o gás molecular e poeira nas galáxias onde ocorrem explosões de raios gama - as maiores explosões no Universo. Surpreendentemente, observou-se menos gás e muito mais poeira do que o esperado, fazendo com que estas explosões pareçam “explosões escuras”. Este trabalho será publicado na revista Nature a 12 de junho de 2014. Trata-se do primeiro resultado científico do ALMA relativo a explosões de raios gama, evidenciando assim o potencial do telescópio no estudo deste fenómeno.
As explosões de raios gama são enormes explosões de energia extremamente elevada observadas em galáxias distantes - são os mais brilhantes fenómenos explosivos no Universo. As explosões que duram mais do que alguns segundos são as chamadas explosões de raios gama de longa duração [1] e estão associadas a explosões de supernovas - fortes detonações no final da vida de estrelas de elevada massa.
Em apenas alguns segundos, uma explosão típica liberta tanta energia como o Sol ao longo de toda a sua vida de 10 mil milhões de anos. A explosão propriamente dita é normalmente seguida por uma emissão que se vai desvanescendo, conhecida por brilho remanescente, e que se pensa ser causada por colisões entre o material ejetado e o gás circundante.
No entanto, algumas explosões de raios gama parecem não ter este brilho remanescente - são as chamadas explosões escuras. Uma explicação possível prende-se com a existência de nuvens de poeira que absorverão esta radiação remanescente.
Nos últimos anos, os cientistas têm estudado galáxias onde ocorrem as explosões de raios gama, no intuito de tentar perceber como é que estes fenómenos se formam. Esperava-se que as estrelas massivas progenitoras das explosões de raios gama se encontrassem em regiões de formação estelar ativa, as quais estariam envoltas por enormes quantidades de gás molecular - o combustível da formação estelar. No entanto, até agora nenhum resultado observacional corroborou esta teoria, mantendo-se assim um mistério de longa data.
Agora, e pela primeira vez, uma equipa japonesa de astrónomos utilizou o ALMA para detectar a emissão rádio do gás molecular em duas galáxias onde ocorrem estas explosões escuras de raios gama de longa duração - GRB 020819B e GRB 051022 - a cerca de 4,3 e 6,9 mil milhões de anos-luz de distância, respetivamente. Embora tal emissão rádio nunca tenha sido detectada nestas galáxias, o ALMA possibilitou esta detecção, graças à sua sensibilidade elevada sem precedentes [2].
Kotaro Kohno, professor da Universidade de Tóquio e membro da equipa de investigação que efetuou este trabalho, disse:” Há mais de dez anos que procuramos este gás molecular nestas galáxias, utilizando vários telescópios em todo o mundo. Conseguimos finalmente atingir o nosso objetivo, utilizando o poder do ALMA. Estamos muito entusiasmados com os resultados obtidos.”
Outro resultado digno de nota, e igualmente possível graças à resolução elevada do ALMA, foi a descoberta da distribuição do gás molecular e da poeira em galáxias hospedeiras das explosões de raios gama. Observações da GRB 020819B revelaram um meio notavelmente rico em poeira, ao mesmo tempo que foi encontrado gás molecular em torno do centro da galáxia. Esta é a primeira vez que é descoberta uma tal distribuição de material nas galáxias onde ocorrem explosões de raios gama [3].
“Não esperávamos que as explosões de raios gama ocorressem em meios tão poeirentos, com uma baixa razão de gás molecular relativamente à poeira. Este facto indica-nos que as explosões têm lugar num meio completamente diferente da típica região de formação estelar,” diz Hatsukade. Este resultado sugere que as estrelas massivas que morrem com explosões de raios gama mudam o meio na sua região de formação estelar antes de explodirem.
A equipa de investigação acredita que uma explicação possível para a alta proporção de poeira comparada ao gás molecular no local da explosão de raios gama possa vir da diferença nas reações relativas à radiação ultravioleta. Uma vez que as ligações entre os átomos que formam as moléculas são facilmente quebradas pela radiação ultravioleta, o gás molecular não consegue sobreviver num meio exposto à forte radiação ultravioleta emitida pelas estrelas quentes massivas na região de formação estelar, incluindo a própria estrela que eventualmente explodirá com emissão de raios gama observada. Embora uma distribuição semelhante seja também observada na GRB 051022, este resultado tem ainda que ser confirmado devido à falta de resolução (uma vez que a galáxia hospedeira da GRB 051022 está mais afastada do que a da GRB 020819B). De qualquer modo, estas observações do ALMA apoiam a hipótese de que é a poeira que absorve a radiação remanescente, dando origem às explosões de raios gama escuras.
“Os resultados obtidos foram muito para além das nossas expectativas. Precisamos agora de fazer mais observações de outras galáxias onde ocorrem explosões de raios gama para ver se estas podem ser efetivamente condições ambientais gerais de um local de explosões de raios gama. Aguardamos com muito interesse o seguimento deste trabalho, que será executado fazendo já uso das capacidades melhoradas do ALMA,” diz Hatsukade.
Notas
[1] As explosões de raios gama de longa duração, com mais de dois segundos, correspondem a 70% de todas as explosões de raios gama observadas. Avanços na última década mostraram a existência de outra classe destas explosões, que duram menos de dois segundos, as explosões de raios gama de curta duração, que têm muito provavelmente origem na fusão de estrelas de neutrões, não estando associadas nem a supernovas nem a hipernovas.
[2] A sensibilidade do ALMA nestas observações foi cerca de cinco vezes melhor que a de outros telescópios semelhantes. As observações científicas preliminares do ALMA começaram em 2011 com uma rede parcial de antenas (eso1137). Estas observações foram feitas com uma rede de apenas 24-27 antenas, com separações entre si de, no máximo, 125 metros. A rede completa de 66 antenas (eso1342) oferece grande promessa relativamente ao que o ALMA será capaz de revelar no futuro próximo, quando as antenas estiverem dispostas em diferentes configurações, com distâncias entre si a variar entre 150 metros e 16 quilómetros.
[3] A proporção de poeira para gás molecular é cerca de 1% no meio interestelar na Via Láctea e em galáxias próximas com formação estelar ativa, sendo dez ou mais vezes maior na região que rodeia a GRB 020819B.
Informações adicionais
O Atacama Large Millimeter/submillimeter Array (ALMA), uma infraestrutura astronómica internacional, é uma parceria entre a Europa, a América do Norte e o Leste Asiático, em cooperação com a República do Chile. O ALMA é financiado na Europa pelo Observatório Europeu do Sul (ESO), na América do Norte pela Fundação Nacional para a Ciência dos Estados Unidos (NSF) em cooperação com o Conselho Nacional de Investigação do Canadá (NRC) e no Leste Asiático pelos Institutos Nacionais de Ciências da Natureza (NINS) do Japão em cooperação com a Academia Sínica (AS) da Ilha Formosa. A construção e operação do ALMA é coordenada pelo ESO, em prol da Europa, pelo Observatório Nacional de Rádio Astronomia (NRAO), que é gerido, pela Associação de Universidades (AUI), em prol da América do Norte e pelo Observatório Astronómico Nacional do Japão (NAOJ), em prol do Leste Asiático. O Observatório ALMA (JAO) fornece uma liderança e direção unificadas na construção, gestão e operação do ALMA.
Este trabalho foi descrito num artigo científico que será publicado na revista Nature a 12 de junho de 2014, intitulado “Two gamma-ray bursts from dusty regions with little molecular gas”, de B. Hatsukade et al.
A equipa é composta por B. Hatsukade (NOAJ, Tóquio, Japão), K. Ohta (Departamento de Astronomia, Universidade de Kyoto, Kyoto, Japão), A. Endo (Instituto de NanoCiência Kavli, Universidade Técnica de Delft, Holanda), K. Nakanishi (NAOJ; JAO, Santiago, Chile; Universidade de Estudos Avançados (Sokendai), Tóquio, Japão), Y. Tamura (Institute of Astronomy [IoA], Universidade de Tóquio, Japão ), T. Hashimoto (NAOJ) e K. Kohno (IoA; Centro de Investigação do Universo Primordial, Universidade de Tóquio, Japão).
O ESO é a mais importante organização europeia intergovernamental para a investigação em astronomia e é o observatório astronómico mais produtivo do mundo. O ESO é financiado por 15 países: Alemanha, Áustria, Bélgica, Brasil, Dinamarca, Espanha, Finlândia, França, Holanda, Itália, Portugal, Reino Unido, República Checa, Suécia e Suíça. O ESO destaca-se por levar a cabo um programa de trabalhos ambicioso, focado na concepção, construção e funcionamento de observatórios astronómicos terrestres de ponta, que possibilitam aos astrónomos importantes descobertas científicas. O ESO também tem um papel importante na promoção e organização de cooperação na investigação astronómica. O ESO mantém em funcionamento três observatórios de ponta, no Chile: La Silla, Paranal e Chajnantor. No Paranal, o ESO opera o Very Large Telescope, o observatório astronómico óptico mais avançado do mundo e dois telescópios de rastreio. O VISTA, o maior telescópio de rastreio do mundo que trabalha no infravermelho e o VLT Survey Telescope, o maior telescópio concebido exclusivamente para mapear os céus no visível. O ESO é o parceiro europeu do revolucionário telescópio ALMA, o maior projeto astronómico que existe atualmente. O ESO encontra-se a planear o European Extremely Large Telescope, E-ELT, um telescópio de 39 metros que observará na banda do visível e do infravermelho próximo. O E-ELT será “o maior olho do mundo virado para o céu”.
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Sobre a Nota de Imprensa
Nº da Notícia: | eso1418pt |
Nome: | GRB 020819B |
Tipo: | Early Universe : Cosmology : Phenomenon : Gamma Ray Burst |
Facility: | Atacama Large Millimeter/submillimeter Array |
Science data: | 2014Natur.510..247H |