Nota de Imprensa
Encontradas pela primeira vez galáxias escuras no Universo primordial
11 de Julho de 2012
Foram encontradas pela primeira vez galáxias escuras - uma fase inicial da formação de galáxias prevista pela teoria mas que até agora nunca tinha sido observada. Estes objetos são essencialmente galáxias ricas em gás mas sem estrelas. Utilizando o Very Large Telescope do ESO, uma equipa internacional detectou estes objetos evasivos ao observá-los a brilhar devido a estarem a ser iluminados por um quasar.
As galáxias escuras são galáxias pequenas ricas em gás do Universo primordial, muito pouco eficazes em formar estrelas. São previstas pelas teorias de formação de galáxias e pensa-se que são os blocos constituintes das atuais galáxias brilhantes ricas em estrelas. Os astrónomos pensam que estes objetos devem ter alimentado as galáxias maiores com o gás que posteriormente deu origem às estrelas que existem atualmente.
Uma vez que são essencialmente desprovidas de estrelas, estas galáxias escuras não emitem muita radiação, o que as torna muito difíceis de detectar. Durante anos, os astrónomos tentaram desenvolver novas técnicas para confirmar a existência destas galáxias. Pequenos decréscimos em absorção nos espectros de fontes luminosas de fundo apontavam para a sua existência. No entanto, este novo estudo marca a primeira vez que estes objetos foram vistos diretamente.
"A nossa aproximação ao problema de detectar uma galáxia escura foi simplesmente a de a iluminar com uma luz brilhante," explica Simon Lilly (ETH Zurich, Suíça), co-autor do artigo científico que descreve o resultado. "Procurámos o brilho fluorescente do gás em galáxias escuras quando estas são iluminadas pela radiação ultravioleta de um quasar próximo muito brilhante. A radiação do quasar ilumina as galáxias escuras num processo semelhante ao das lâmpadas ultravioletas que iluminam as roupas brancas numa discoteca." [1]
A equipa tirou partido da grande área colectora e sensibilidade do Very Large Telescope (VLT) e duma série de exposições muito longas, para detectar o brilho fluorescente extremamente ténue das galáxias escuras. A equipa utilizou o instrumento FORS2 para mapear a região do céu em torno do quasar brilhante [2] HE 0109-3518, à procura da radiação ultravioleta que é emitida pelo hidrogénio gasoso quando sujeito a radiação intensa. Devido à expansão do Universo, esta radiação é, na realidade, observada com uma tonalidade de violeta quando chega ao VLT. [3]
"Depois de vários anos de tentativas para detectar a emissão fluorescente das galáxias escuras, os nossos resultados demonstram o potencial deste método para descobrir e estudar estes fascinantes objetos previamente invisíveis," diz Sebastiano Cantalupo (Universidade da Califórnia, Santa Cruz), autor principal do estudo.
A equipa detectou quase 100 objetos gasosos que se situam num raio de alguns milhões de anos-luz do quasar. Depois de uma análise detalhada com o intuito de excluir objetos nos quais a emissão possa estar a vir de formação estelar interna nas galáxias, em vez da radiação do quasar, o número de objetos chegou a 12. São as identificações mais convincentes até à data de galáxias escuras no Universo primordial.
Os astrónomos conseguiram determinar também algumas das propriedades das galáxias escuras. Estimam que a massa do gás nestes objetos seja de cerca de um milhar de milhão de vezes a do Sol, típica de galáxias de pequena massa ricas em gás, existentes no Universo primordial. A equipa conseguiu também estimar que a eficiência da formação estelar é suprimida de um factor maior que 100 relativamente a galáxias típicas com formação estelar encontradas em fases semelhantes na história cósmica. [4]
"As nossas observações com o VLT mostram evidências da existência de nuvens escuras compactas e isoladas. Com este estudo demos um importante passo em frente no sentido de revelar e compreender as fases iniciais da formação de galáxias e de como as galáxias adquirem o seu gás", conclui Sebastiano Cantalupo.
O espectrógrafo de campo integral MUSE, que chegará ao VLT em 2013, será uma ferramenta extremamente poderosa no estudo destes objetos.
Notas
[1] A fluorescência é a emissão de radiação por uma substância iluminada por uma fonte luminosa. Na maioria dos casos, a radiação emitida tem um comprimento de onda maior que a da fonte luminosa. Por exemplo, as lâmpadas fluorescentes transformam radiação ultravioleta - invisível para nós - em radiação visível. A fluorescência aparece naturalmente em alguns compostos, tais como rochas ou minerais, mas pode ser também adicionada propositadamente em detergentes que contêm químicos fluorescentes, no intuito de fazer com que as roupas brancas pareçam mais brilhantes sob luz normal.
[2] Os quasars são galáxias distantes muito brilhantes que se pensa obterem a sua energia de buracos negros de elevada massa situados nos seus centros. O seu brilho torna-os faróis poderosos que podem ajudar a iluminar a região circundante, dando-nos pistas sobre a época em que as primeiras estrelas e galáxias se formavam a partir do gás primordial.
[3] Esta emissão de hidrogénio é conhecida por radiação de Lyman-alfa e é produzida quando os electrões nos átomos de hidrogénio descem do segundo para o primeiro nível de energia. É um tipo de luz ultravioleta. Uma vez que o Universo se encontra em expansão, o comprimento de onda da radiação dos objetos estica à medida que atravessa o espaço. Quanto mais longe viajar a radiação, mais o comprimento de onda é esticado. Como o vermelho é o maior comprimento de onda que os nossos olhos podem ver, este processo é literalmente um desvio em comprimento de onda em direção à ponta vermelha do espectro - daí o nome "desvio para o vermelho". O quasar HE 0109-3518 situa-se a um desvio para o vermelho de z = 2.4 e a radiação ultravioleta das galáxias escuras é desviada para a região visível do espectro. Um filtro de banda estreita foi especialmente concebido para isolar o comprimento de onda específico para o qual a emissão fluorescente é desviada. O filtro está centrado a cerca de 414.5 nanómetros, de maneira a capturar a emissão de Lyman-alfa desviada para o vermelho de z = 2.4 (corresponde a uma tonalidade de violeta) e tem uma largura de banda de apenas 4 nanómetros.
[4] A eficiência de formação estelar é calculada como a massa de estrelas recentemente formadas sobre a massa de gás disponível para formar estrelas. A equipa descobriu que estes objetos precisariam de mais de 100 mil milhões de anos para converter todo o gás em estrelas. Este resultado está de acordo com estudos teóricos recentes que sugeriram que halos de pequena massa ricos em gás a elevados desvios para o vermelho podem ter uma eficiência de formação estelar muito baixa, como consequência do baixo conteúdo em metais.
Informações adicionais
Este trabalho foi descrito num artigo científico "Detection of dark galaxies and circum-galactic filaments fluorescently illuminated by a quasar at z=2.4", por Cantalupo et al. que será publicado na revista da especialidade Monthly Notices of the Royal Astronomical Society.
A equipa é composta por Sebastiano Cantalupo (University of California, Santa Cruz, EUA), Simon J. Lilly (ETH Zurich, Suíça) e Martin G. Haehnelt (Kavli Institute for Cosmology, Cambridge, Reino Unido).
O ano de 2012 marca o quinquagésimo aniversário da fundação do Observatório Europeu do Sul (ESO). O ESO é a mais importante organização europeia intergovernamental para a investigação em astronomia e é o observatório astronómico mais produtivo do mundo. O ESO é financiado por 15 países: Alemanha, Áustria, Bélgica, Brasil, Dinamarca, Espanha, Finlândia, França, Holanda, Itália, Portugal, Reino Unido, República Checa, Suécia e Suíça. O ESO destaca-se por levar a cabo um programa de trabalhos ambicioso, focado na concepção, construção e funcionamento de observatórios astronómicos terrestres de ponta, que possibilitam aos astrónomos importantes descobertas científicas. O ESO também tem um papel importante na promoção e organização de cooperação na investigação astronómica. O ESO mantém em funcionamento três observatórios de ponta, no Chile: La Silla, Paranal e Chajnantor. No Paranal, o ESO opera o Very Large Telescope, o observatório astronómico óptico mais avançado do mundo e dois telescópios de rastreio. O VISTA, o maior telescópio de rastreio do mundo que trabalha no infravermelho e o VLT Survey Telescope, o maior telescópio concebido exclusivamente para mapear os céus no visível. O ESO é o parceiro europeu do revolucionário telescópio ALMA, o maior projeto astronómico que existe atualmente. O ESO encontra-se a planear o European Extremely Large Telescope, E-ELT, um telescópio da classe dos 40 metros que observará na banda do visível e próximo infravermelho. O E-ELT será "o maior olho no céu do mundo".
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Sobre a Nota de Imprensa
Nº da Notícia: | eso1228pt |
Nome: | HE 0109-3518 |
Tipo: | Early Universe : Galaxy Early Universe : Galaxy : Activity : AGN : Quasar |
Facility: | Very Large Telescope |
Instrumentos: | FORS2 |
Science data: | 2012MNRAS.425.1992C |